Os históricos incêndios nacionais de 2024 e seus impactos em Guanhães-MG: quando o céu ficou cinza!

Entre agosto e outubro de 2024, o Brasil vivenciou uma das mais severas temporadas de queimadas da última década. Incêndios florestais se alastraram por biomas estratégicos como o Cerrado, a Amazônia e parte da Caatinga, cobrindo vastas regiões do território nacional com densas nuvens de fumaça. Cidades do Sudeste, inclusive em Minas Gerais, sentiram diretamente os efeitos dessa crise ambiental.

Guanhães, localizado no Vale do Rio Doce, não ficou imune: o céu ficou encoberto por névoa seca, os índices de qualidade do ar despencaram e impactos ecológicos e sanitários foram sentidos pela população.

A dinâmica climática por trás dos incêndios:

Os incêndios de 2024 não ocorreram isoladamente: foram o resultado de uma combinação perigosa de eventos climáticos extremos, ações antrópicas e omissão na fiscalização ambiental. Os principais fatores incluem:
  • El Niño: O fenômeno estava ativo desde o final de 2023, provocando o aumento das temperaturas médias e a diminuição das chuvas em boa parte do Brasil Central e Norte.
  • Bloqueios atmosféricos: Sistemas de alta pressão estacionários impediram a chegada de frentes frias e mantiveram o tempo seco por longos períodos.
  • Baixa umidade relativa do ar: Em várias regiões, os índices chegaram a níveis críticos (<20%), criando o ambiente ideal para a propagação rápida do fogo.
  • Uso do fogo como técnica agrícola: Mesmo proibida, a prática das queimadas para renovação de pastagens continuou sendo amplamente usada, sobretudo no Cerrado.
Dinâmica da circulação atmosférica que levou a fumaça até Minas Gerais 

A chegada da fumaça aos estados do Sudeste — incluindo Minas Gerais — durante os incêndios de 2024 é um exemplo claro de como a circulação atmosférica regional e continental influencia o transporte de aerossóis (partículas finas de fuligem, carbono e poeira). 

🌀 1. Alta pressão em níveis médios da troposfera: Um bloqueio atmosférico (sistema de alta pressão) se formou entre o Sul da Amazônia e o Centro-Oeste brasileiro, impedindo a chegada de frentes frias e mantendo o ar seco e estável. Esse tipo de sistema causa uma subsistência do ar (movimento descendente), o que "achata" a coluna de ar e impede a dispersão vertical da fumaça, concentrando-a próxima à superfície. 
🌬️ 2. Ventos de leste em baixos níveis (Alísios continentais): Os ventos predominantes em baixos níveis (cerca de 1500 m de altitude) sopravam de nordeste para sudoeste, fazendo com que a fumaça produzida nos incêndios da Amazônia e do Cerrado fosse empurrada em direção ao Sudeste. Esses ventos são influenciados tanto pelo gradiente de pressão quanto pelo escoamento canalizado entre relevos. 
🏞️ 3. Efeito da topografia do Sudeste: As cadeias montanhosas da Mantiqueira e da Serra do Espinhaço canalizam o ar que chega do oeste e norte, favorecendo a acumulação de fumaça nas áreas de vale, como o Vale do Rio Doce, onde está Guanhães. Isso intensificou a retenção da névoa seca durante dias consecutivos, dificultando a dispersão. 
🔄 4. Baixa renovação de massas de ar: Como não houve entrada significativa de sistemas frontais (frentes frias) durante esse período, o ar poluído não foi "lavado" por chuvas ou trocado por massas de ar mais limpas. Esse quadro criou o que meteorologistas chamam de “estagnação atmosférica”, propícia ao acúmulo de poluentes. 
🌫️ Resultado: céu acinzentado e ar irrespirável Essa combinação de fatores permitiu que a fumaça: viajasse mais de 2.000 km, da região amazônica até o Sudeste; cobrisse cidades como Belo Horizonte, Guanhães, Ipatinga, Governador Valadares, e até o litoral do Espírito Santo; permanecesse por vários dias consecutivos, com impactos diretos na saúde da população, no clima local e na visibilidade.

Evolução do quadro em Guanhães, por meio de imagens por satélite:





Acima, imagens de satélite de agosto a setembro de 2024, que mostram a densa nuvem de fumaça cobrindo grandes áreas do Brasil e da América do Sul — inclusive na Amazônia, Cerrado e estados do Centro-Sul como Minas Gerais (Fonte: NASA, MODIS e EUMETSAT)

A geografia do fogo: biomas atingidos

Segundo dados do INPE (2024), os focos de calor se concentraram principalmente nos seguintes biomas:
  • Amazônia Legal: Especialmente no sul do Amazonas, Rondônia e norte do Mato Grosso. A fumaça desta região foi empurrada pelos ventos para o Centro-Sul.
  • Cerrado: Recordes de focos em Goiás, Tocantins e oeste da Bahia. O fogo atingiu áreas de transição ecológica sensíveis, conhecidas como ecótonos.
  • Pantanal: Apesar de menos atingido que em 2020, o bioma registrou danos relevantes.
A cobertura de fumaça foi tão intensa que atingiu São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, além de estado do Centro-Oeste e Sul, gerando o chamado “céu opaco”, com redução de luminosidade ao longo do dia e o agravamento de problemas respiratórios.

Impactos em Guanhães e no Vale do Rio Doce

🔹 Qualidade do ar
Durante o auge das queimadas, entre 20 de agosto e 5 de setembro, Guanhães registrou picos de material particulado fino (PM2.5) acima dos limites recomendados pela OMS. Moradores relataram irritações nos olhos, dificuldades respiratórias e aumento de atendimentos médicos por doenças pulmonares.
🔹 Ecossistemas e fauna
Embora os incêndios não tenham atingido diretamente a zona urbana de Guanhães, áreas rurais próximas, sobretudo matas ciliares e fragmentos de vegetação secundária, foram impactadas. Algumas propriedades rurais reportaram perda de pastagens, degradação de nascentes e fuga de animais silvestres.
🔹 Saúde pública
As escolas da rede municipal e estadual chegaram a emitir comunicados sobre a suspensão de atividades físicas ao ar livre. Houve também aumento de internações hospitalares de idosos e crianças por crises asmáticas, especialmente nas comunidades periféricas.
🔹 Sensação térmica e microclima
O acúmulo de fumaça também impactou o clima local. Mesmo com temperaturas moderadas, a ausência de radiação solar direta aumentou a sensação de abafamento, provocando desconforto térmico.

Considerações finais: o que aprendemos?

A crise ambiental de 2024 deixa lições importantes para a sociedade brasileira e, em especial, para municípios como Guanhães:
A interdependência climática entre as regiões exige políticas ambientais integradas.
A prevenção de queimadas deve ser prioridade, com maior fiscalização e conscientização rural.
O fortalecimento dos sistemas municipais de monitoramento ambiental e de saúde pública é fundamental diante do avanço de eventos extremos.
Enquanto as cinzas ainda repousam sobre a memória coletiva da população, é essencial transformar este trauma em políticas duradouras, integrando ciência, educação e ação cidadã.

Referências
INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (2024). Monitoramento de Focos de Queimadas.
ANA – Agência Nacional de Águas (2024). Relatório de impactos climáticos nos recursos hídricos.
OMS – Organização Mundial da Saúde. Diretrizes sobre qualidade do ar (2021).
CPTEC/INMET – Boletins Climáticos de agosto-setembro de 2024.

Comentários